"Eu não estou eufórica". Ele respondeu: "ainda bem"
Saúde mental, gerenciamento de risco e produtividade
Semana passada completou um mês que eu deixei, novamente, o mundo corporativo.
Aí eu resolvi entrar num sabático que tem sido super produtivo.
Fiz um curso de liderança em uma Universidade renomada na Europa.
Ativei novos hobbies esportivos (devidamente trajada com looks atléticos que combinavam e o tênis do solado esquisito, daquela marca que todo mundo tem comprado).
Além de ter completado em tempo recorde o caminho de Compostela, que me ensinou muito sobre inúmeras coisas que podem impactar minha produtividade no trabalho.
Tudo em itálico porque nada é verdade. Mas ficaria bem num post no LinkedIn, não é?
Meus planos na saída do corporativo eram altos e grandes, sim.
Eu iria descansar por duas semanas, ajeitar minha rotina diária, incluindo higiene do sono, exercícios, alimentação saudável e ter sempre uma manhã calma para começar bem o dia. Já na terceira semana iria começar o desenho e criação desta minha nova fase profissional, que incluirá aulas, consultoria organizacional e programas de mentorias. Ia pesquisar programas de mestrado também.
E aí a vida aconteceu.
E ela acontece desde sempre, no mundo todo, com toda a sorte de gente. Comigo ela acontece também.
Sinto que meu viver, entretanto, sempre foi bem intenso. Com os altos e baixos das ondas de um mar violento, como escrevi no meu último texto.
E logo após a Páscoa, como se fosse um recado divino, eu fui atingida por uma onda grande que me deu um caldo: "Vai mulher, agora renasce aí". E estou tentando me levantar, suja de areia até por dentro do maiô, na beirinha do mar agitado. Até hoje.
Eu lido com um diagnóstico que afeta minha saúde mental há mais de uma década. E lidar talvez não seja a melhor palavra. Na maior parte deste tempo eu apenas convivi com ele. Eu teimava em achar que ele não me representava, e não me descrevia. Mas ele impacta minha vida, minhas relações, minhas escolhas, minha noção sobre o risco, veja só a ironia. Baita diploma bonito aqui ao meu lado dizendo: “mestre em gerenciamento de riscos”. Muitas vezes, eu não soube fazer isso não.
Em meados de 2020, quando num momento mais intenso eu raspei minha cabeça - veja só que excelente maneira de lidar com as emoções! - eu resolvi encarar de frente este diagnóstico.

A jornada de terapia mais intensa e combinação certa de medicamentos foi retomada, e ela continua até hoje.
Meu mais recente combo de pílulas coloridas e formas diversas me deixou super sensível para mudanças na minha rotina. Demorar para se alimentar? Nem pensar. Trocar a xícara de café matinal por chá? Enxaqueca na certa. Dormir mal? Apagões. E tem que tomar MUITA água. Pelo menos dois litros, se conseguir, melhor três.
E onde? De onde? Da onde - raios - se acha vontade, energia, para fazer qualquer coisa? Quando se mostra urgente a necessidade de cuidar da nossa saúde mental? Quando que é cedo ou tarde demais (pra dizer adeus, pra dizer jamais)? Como achar espaço na rotina, nos compromissos? Eu não sei. Mas tô contando tudo isso, abrindo minha história e meu coração para te mostrar alternativas. Porque, em muitas vezes, a super produtividade não é uma delas.
Eu fiquei com muita enxaqueca quando comecei a tomar este último remédio. Nada passava. Foram quase duas semanas de crise. E o médico me orientou a tomar mais água, pois ele me disse que poderia ser sinal de desidratação. Eu não tomava água o suficiente mesmo. Quase 20 anos de mundo corporativo, a maior parte dele presencial. Quem tem tempo de ir no banheiro de 30 em 30 minutos, se as reuniões - todas - tem pelo menos uma hora? Eu não queria perder nenhum momento, nenhuma oportunidade.
Mas tem que ter. Simples assim. Eu enchia uma garrafinha de água de 700ml e pensava: “tenho que tomar pelo menos 3 destas”.
Oito horas da noite e eu lá me lembrava quantas vezes eu tinha enchido a bendita? Claro que não.
Então dá-lhe inventar a técnica de encher tudo que eu precisava tomar, em todas as garrafas que eu achei aqui em casa (e copos, quando as garrafas acabaram). Agora elas me encaram, o dia inteiro, no balcão da cozinha, enquanto eu passo por elas para ir no banheiro pela décima oitava vez.

Mas por mais que eu reclame de arrumar a blusa que eu escolhi colocar dentro da calça para ser estilosa, ou do cinto chiquetoso, mas chato de abrir, deu certo. Eu tenho conseguido tomar os tais três litros. Todos os dias, sem falta.
E eu rapidamente pensei que deveria já emendar outro hábito: fazer exercício todos os dias? Cozinhar todas as minhas refeições comprando ingredientes minimamente processados e orgânicos? Retomar as aulas de italiano ou de piano? Pior, começar a trabalhar loucamente, como sempre o fiz?
Não, não consegui ainda. Retomei os exercícios assim que a gripe saiu do meu corpo (teve esta também, será que não valia me benzer?), mas devagar, analisando cada novo dia, vendo os impactos. Não consigo cozinhar tudo do zero sempre (não sei e não gosto), mas tenho comido mais de uma fruta todos os dias e para mim, é uma vitória.
Perdi peso neste período, mais um quick win (olha ela usando expressões do mundo corporativo). E tenho pensando muito não só no impacto de cada pequeno hábito que vagarosamente incluo na minha rotina, mas também na probabilidade que estou diminuindo de voltar aos hábitos ruins.
E me peguei rindo, pensando nisso, enquanto fazia a décima quarta limpeza e destralhe nos armários, em como eu estava, inconscientemente, aplicando conceitos e métodos do gerenciamento de riscos na minha própria vida.
Semana passada estava me sentindo melhor. Fui numa consulta médica para avaliar a adaptação a nova medicação, dosagem, sono, efeitos colaterais e o exame de sangue. O médico, depois de quase uma hora me ouvindo falar, me perguntou:
-E como você está?
Eu: -Ah, dr, não estou eufórica sabe, vivendo um dia de cada vez.
E ele: -Ainda bem. e deu uma pausa dramática para eu absorver.
E aí que me toquei que realmente almejar o morno, tão indesejável para mim desde sempre, se tornou, hoje, meu alvo na maioria dos processos. Andar no caminho do meio (como ensina o Budismo) me ajuda a criar uma rotina, a cuidar da minha saúde mental. E principalmente, calibrar minhas expectativas sobre tudo.
Ele me explicou que uma boa saúde mental é sentir bem-estar (veja só o uso da expressão. Nada de euforia, felicidade) a maior parte do tempo.
E ter maleabilidade para voltar ao centro quando algo extremo ocorrer. Não é alegria o tempo todo, a vida real não é assim (por mais que os influenciadores nos deixem achar que o alvo é estar eufórica nas ruas de Paris, por exemplo).
Saí mais leve, com a ideia de escrever este texto. Ainda num ritmo mais lento. Acho que vai ser assim por um tempo. Mas espero te encontrar aqui, lendo e me dando feedbacks dos textos que retratarão esta nova fase da minha vida. Eu posso não estar eufórica, mas continuo empolgada e faladeira.
Se cuide, e além do filtro solar, beba água.
Susan, teu relato é como um abraço quentinho pra muitos que vivemos sensações minimamente parecidas. Quero, com tempo de qualidade, fazer uma réplica como corresponde. Em breve, sem pressa. Mas, desde já, que ótimo te ler! :)