Juízes com fome julgam mal
E como ser uma liderança (e uma pessoa) melhor aprendendo como sua mente funciona
A cada pessoa que se desculpava que estava com a câmera fechada porque estava fazendo um lanche, ou almoçando tarde porque o dia tinha sido corrido ela falava: “Vocês sabiam que existe um estudo que juízes com fome julgam mal? Vocês tem que comer direitinho, na hora certa, hein?"
Esta é a minha colega, que trabalha na área de gente, nos lembrando das nossas necessidades básicas, que na correria do dia-a-dia, ficam em segundo plano.
Este estudo existe, é real e está retratado no livro Rápido e Devagar - Duas formas de pensar do Daniel Kahneman, o psicólogo que ganhou o prêmio Nobel da Economia por suas contribuições sobre a Teoria da Perspectiva, ou em um resumo MUITO do breve: como as pessoas decidem entre alternativas que envolvem risco, em que as probabilidades de resultados são incertas. Suas teorias desmistificam a ideia que o ser humano é um ser racional e que suas decisões seguem sempre uma lógica.
O Sistema 1 e o Sistema 2
O livro abre com uma explicação das formas formas de pensar, que vieram dos psicólogos Keith Stanovich e Richard West: a forma rápida, que é chamada de sistema 1 e a forma devagar, o sistema 2.
O Sistema 1 é rápido, instintivo. É aquele que reconhece uma expressão facial como raiva, é aquele que nos faz cair em uma cilada de um viés insconsciente. Foi descrito como opaco, porque não temos muita consciência que estamos usando ele, no livro Iludidos pelo Acaso: A influência da sorte nos mercados e na vida de Nassim Nicholas Taleb.
O sistema 2 é lento e racional. Ativado quando fazemos cálculos complexos de cabeça (17 x 24 é complexo para você? para mim é um tanto e é o exemplo do livro…), ou quando você segue um manual de instruções para montar um móvel.
E assim, começamos a entender como nossos movimentos no dia-a-dia podem se tornar cada vez mais controlados pelo caos e incerteza, já que as micro decisões diárias, são em sua maioria, tomadas com o sistema 1 totalmente ativado.
Será mesmo que temos controle de tudo?
Os juízes com fome
Logo no começo do livro, Kahneman nos mostra como o sistema 2 pode ser ocupado e esgotado, além de preguiçoso. Mas vamos nos ater ao esgotado. E é nesta parte que o estudo dos juízes entra em cena:
Seus efeitos foram medidos em um estudo que mensurava as condições que juízes de condicional (aqueles que julgam se prisioneiros poderiam receber a liberdade condicional) tomavam suas decisões.
Os casos são apresentados em ordem aleatória, e os juízes dedicam pouco tempo a cada um, numa média de seis minutos (a decisão default é rejeição da condicional; apenas 35% dos pedidos são aprovados. O tempo exato de cada decisão é registrado, e os períodos dos três intervalos para refeições dos juízes - a pausa da manhã, o almoço e o lanche da tarde - durante o dia também são registrados.) (…) A proporção [de aprovação da condicional] conhece picos após cada refeição, quando cerca de 65% dos pedidos são concedidos (…) até chegar perto de zero pouco antes da refeição (…). A melhor explicação possível dos dados é uma má notícia: juízes cansados e com fome tendem a incorrer na mais fácil posição default de negar pedidos de condicional.
Nossa (fraca) sensação de controle nos faz acreditar que temos nosso racional sob rédeas curtas. Nossas decisões, e nossos julgamentos deveriam estar bem mensurados e super racionais, mas não é assim que nossa mente funciona. O sistema rápido corre na frente (a-há!) e nos atropela.
Isso acontece o tempo tempo, mas pode ter resultados desastrosos quando somos líderes de pessoas, quando o nosso julgamento como liderança está enviesado.
Como ter mais controle como viver sabendo que não temos controle
Só podemos mudar aquilo que sabemos. Parte de nós vai continuar às sombras, até que alguém nos alerte que estamos caindo em uma cilada, que soframos consequências graves ou que nós mesmos façamos o seguinte: de maneira consciente, vamos até nossa caixa de ferramentas para a vida, pegamos nossa lanterna e iluminamos partes não muito legais ou obscuras da nossa criação, educação e vivência de mundo. Chamo isso de auto-conhecimento.
Não sei o quanto preconceituosa sou até ter aliados (em que pude confiar e ser vulnerável o suficiente, ou que o fizeram mesmo sem esta abertura) que assim me mostrassem. Pessoas ao meu redor que corrigiram algumas expressões racistas e capacitistas que eu tento arduarmente eliminar do meu vocabulário, por exemplo. Aqui eu fui até a minha caixa de ferramentas e peguei a lanterna e permiti que outros a usassem.
Mas posso também pegar a lanterna e usar em mim mesma. Posso ler, estudar, discutir, conversar, aprender. Com pessoas e leituras e ambientes e vivências diferentes das que eu estou acostumada. E de pouquinho e pouquinho, vou descobrindo que o mundão é maior que o meu ego que busca perfeição (ah, as rimas!), que tenho partes rápidas dos meus pensamentos que me ajudam e que as vezes me atrapalham.
Na minha vida, e na minha liderança, me cercar do diverso me faz MUITO bem. Aprendo, e me permito colocar luz em pontos que são importantes. E de maneira bem simplista, aprendo, por exemplo, que sou uma pessoa melhor, e posso ser uma líder melhor, quando não me permito pular refeições.
Que tal marcar aquela conversa de desenvolvimento para um horário que nossas percepções e ânimos estejam mais favoráveis? Se não for possível, que tal ter uma atenção extra nos nossos julgamentos? O mundo agradece e nos reconhece quando estamos atuando na nossa melhor potência (alimentados e hidratados, de preferência).