O que separa o ótimo do bom
Os bordões do mundo corporativo me ensinaram a tomar melhores decisões, e como você pode aprender também
Os bordões do mundo corporativo me ensinaram a tomar melhores decisões, e como você pode aprender também
Comecei a me deparar com os clichês do mundo corporativo quando adentrei na indústria financeira. Trabalhei perto de um grupo de trainees, que vieram principalmente de São Paulo para trabalhar na provinciana Curitiba. A Faria Lima começou a fazer parte do meu cotidiano mesmo que ela fosse bem diferente do meu local de trabalho, num bairro chamado, muitos anos atrás, de Vila Hauer.
Portanto, o sotaque paulistano, as camisas de iniciais bordadas e os bordões típicos começaram a aparecer.
feito é melhor que perfeito
fazer mais com menos
o ótimo é inimigo do bom
O que mais me chamava atenção era este último. Ele representava um mantra do entregar com rapidez um trabalho completo, sem erros. Não perder tempo com detalhes insignificantes, ou com “perfumaria”, citando outra palavra que eu comecei a incluir no meu vocabulário diário nestes meu anos iniciais nesta indústria.
Anos mais tarde, em uma conversa despretenciosa com um executivo de uma empresa de tecnologia, ouvi que em uma entrega profissional não se pode ter tudo (aliás, no profissional e na vida, né?), para ele alguma coisa se perde, ou preço, ou escopo, ou prazo. E me lembrei do mantra lá do banco, de anos atrás.
Por melhor que seja o planejamento, não existe perfeição nele, porque não temos como antever todos os riscos. Só sabemos que não sabemos que alguns riscos existem e que podem impactar nosso projetos e entregas. Pode custar mais caro que o orçado. Ou pode ter um escopo menor ou diferente que o projetado. Ou se estiver dentro do orçamento e do escopo, pode ser que dure mais tempo.
E portanto, na teoria, bom é melhor que ótimo mesmo. E se não fosse esta onda de super produtividade, brilho no olho, proatividade, sentimento de dono, e propósito que nos pegou pelo pescoço, teríamos ouvido isso e absorvido. Eu não sei vocês, mas para citar um outro bordão bem clássico, eu não tive muito “walk the talk”. Ou seja, eu ouvia que ótimo era inimigo do bom, mas via o mercado exigindo cada vez mais.
O ótimo e o bom, ou vice e versa
Foi do escritor e filósofo Voltaire, que morreu em 1778, a frase “o ótimo é inimigo do bom”. A versão original era, na verdade: “não deixe o perfeito ser inimigo do bom”. E o que ele quis dizer com isso? Segundo muitos textos, ele estava falando que o perfeccionismo pode nos levar a paralisia, procrastinação. Almejamos o perfeito e não saímos do lugar.
Mas, o mais interessante aqui é como os gurus do empreendedorismo, coachs de tudo, especialistas em produtividade acima de qualquer coisa conseguiram inverter esta lógica e usar este bordão para a teoria do “nunca desista”. Ou seja, não faça somente o necessário com agilidade e esmero, faça sempre mais do que o esperado, dê o seu melhor todos os dias e mais, seja exigente consigo mesmo e vença.
E aí nos vemos acordando as 5 da manhã, acreditando em meritocracia, sem brilho nenhum no olho, acumulando burnouts.
E sendo uma profissional obsessiva que caiu nesta falácia algumas vezes, sei que o caminho para a sanidade e equilíbrio não é nada fácil. Não é a toa que comecei a estudar ferozmente sobre ciências comportamentais e a ciência da escolha, ou da tomada de decisão.
Devo dizer que esta escolha exigiria uma mudança cultural extrema e é até mesmo utópica, de que o trabalho seja visto e entendido de maneira mais saudável. E recortes de privilégio são necessários, pois muitos não tem a opção de simplesmente escolher tomar um caminho diferente e não deixar a prensa corporativa nos moer.
Minha proposta aqui é te provocar a não cair no conto furado da super produtividade e tentar entender como podemos avançar para o ótimo, sem perfeição, escolhendo pensar mais objetivamente em como tomamos nossas decisões diárias.
Somos programados para correr como loucos quando vemos um tigre dente-de-sabre
Michael J. Maubossim é investidor estrategista de Wall Street, autor e professor de finanças na Escola de Negócio da Universidade de Columbia. Um de seus livros, Pense duas vezes — aproveitando o poder da contra-intuição, Michael classifica nossos erros mentais mais comuns e dá recomedações práticas para não cair neles.
Ninguém intencionalmente toma más decisões, mas na realidade todos nós fazemos isso o tempo todo. Alguns dos piores desastres da história recente foram o resultado de decisões aparentemente razoáveis tomadas por muitas pessoas inteligentes.
E segundo Maubossim o que realmente separa o bom do ótimo são boas tomadas de decisão.
Nossas habilidades motoras, nossa destreza, proporção do nosso corpo e o que nosso dedão opositor nos proporciona não são muito diferentes do que eram há dez mil anos atrás. Mesmo assim, a maioria das pessoas se sente confortável com esta noção de que a nossa destreza básica é relativamente igual, mas se sentem quase ofendidas que nossa composição cognitiva também é.
Ou seja, nossas emoções, racionalidade e nossa habilidade em tomar decisões ainda são muito parecidas com aquelas em que enfrentávamos um tigre dente-de-sabre.
Para Maubossim, nossa espécie não é programada para pesar racionalmente riscos e recompensas. E a simples consciência dessa incompatibilidade cognitiva pode nos ajudar a evitar alguns erros de tomada de decisão.
A bagagem que todos carregam
Nossos antepassados venceram os tigres dente-de-sabre, se propagaram e cá estamos. Devemos muito a eles, mas precisamos viver nossa vida agitada e cheia de armadilhas carregando uma bagagem cognitiva que eles nos deixaram. Se compreendermos melhor alguns pontos desta bagagem, principalmente o que nos leva a tomar as decisões que tomamos, podemos melhorar este processo.
Continuando com as idéias de Maubossim, ele chama esta bagagem de fraquezas mentais e incluem as seguintes:
Desejo de fazer parte da multidão: humanos querem fazer parte de um grupo, de uma comunidade. Era mais fácil sobreviver em grupo, perante um mamute, simples assim;
Excesso de confiança: Somos super confiantes por conta também dos nossos antepassados. A ousadia que levou à sobrevivência é que nos deu este presente.
Incapacidade de avaliar probabilidades racionalmente: nosso cérebros não estão bem adaptados para calcular probabilidades — nossos ancestrais provavelmente viveram dia após dia, com uma compreensão limitada de seu ambiente.
E com esta mala-sem-alça chamada de bagagem cognitiva pra carregar, como fazemos?
Michael sugere os seguintes remédios:
para o desejo de fazer parte de um grupo, o distanciamento. Na tomada de decisão tomar uma distância segura e se provocar com idéias diferentes das suas: é saudável procurar ser o “advogado do diabo” de si mesmo;
para o excesso de confiança, o feedback. Para ele o pedido de feedback e ajuste de rota são as medidas necessárias para mitigar o excesso de confiança;
para a incapacidade de avaliar probabilidades, atenção ao enquadramento. Diversos estudos de Kahneman e Tversky dentro de sua Teoria da Perspectiva demonstraram de maneira consistente que as pessoas se tornam propensas ao risco ou avessas ao risco se um problema é colocado com uma perspectiva negativa ou desenhado de um ângulo positivo. Pensar em como as informações e dados estão sendo apresentados e analisá-los de maneira isenta, sem viéses, torna o processo de tomada de decisão mais objetivo.
Tomar decisões nunca é fácil, e somos invadidos pelos viéses que estão imersos em nossa maneira de pensar.
Termino este texto com uma citação fresquinha da futurista Amy Webb em sua fala recente no Festival de Inovação SXSW, sobre viéses, e nossa ação necessária e consistente sobre eles:
Viéses são irritantes. Mas não vão desaparecer magicamente porque falamos sobre isso em conferências
