O simpósio e os caras
Onde as minhas celebridades acadêmicas vivem e como fazer com que mulheres estejam neste lugar também
Onde as minhas celebridades acadêmicas vivem e onde estão as mulheres?
Meu texto anterior “O estranho cargo de gerente de riscos” menciona uma palestra que eu assisti e que me rendeu algumas perguntas. Por isso, e por uma sugestão de uma pessoa que eu tenho como minha referência de escrita na internet (alô Startup da Real), decidi reescrever meu texto original que fala sobre esta palestra e o Simpósio de Gerenciamento de Riscos que eu participei em 2019. Mas antes, uma contextualização.
Os caras serão sempre a maioria?
Confesso que uma das alegrias de ser aceita da Universidade de Nova Iorque no final de 2017, foi a possibilidade do contato com as tais “celebridades acadêmicas”. Caras que escreveram livros mundialmente relevantes, caras que ganharam prêmios, caras que são Nobel de Economia, caras que criaram metodologias e conceitos usados amplamente nos mais diversos setores.
O termo “caras” ali em cima não foi um mero eufemismo. O mercado financeiro é extremamente masculino. Existem discrepâncias salariais gritantes e poucas mulheres em posição de liderança nesta indústria. Portanto, minha outra alegria de ser aceita, foi ser uma mulher latina desafiando este ambiente.
A verdade nua e crua é que os homens ainda comandam o mundo. Isso significa que, quando se trata de tomar decisões mais importantes para todos nós, a voz das mulheres não é ouvida da mesma forma
Quem escreveu esta frase foi Sheryl Sandberg, escritora e COO na Meta, em seu livro Faça Acontecer de 2013. Era verdade uma década atrás, continua sendo verdade agora.
No mundo acadêmico funciona assim: as mulheres correspondem a 64,6% das matrículas em estudos de nível superior no Brasil (UNESCO, 2020), e possuem maioria em artigos científicos publicados, são autoras de 70% das publicações de 2008 a 2012, segundo um estudo da Nature Magazine. Entretanto, há uma imensa sub-representação na liderança feminina. Segundo Fernanda Di Negri apenas 14% da Academia Brasileira de Ciências é composta de cientistas mulheres.
Os dados mostram que estamos nos preparando mais, mas ocupamos menos cargos de liderança. E por instintivamente saber disso, eu procurei usar a minha oportunidade a meu favor.
A realidade acadêmica não foi exatamente como eu imaginei. Sendo uma aluna estrangeira, em um curso com ampla carga horária feita à distância, minha experiência como aluna não foi recheada de seminários, networking e painéis, e sim preenchida por um ano pesado de viagens e estudos de madrugada, enquanto meu filho dormia.
Um dos fatores que muitos estudos colocam como barreira para a evolução das mulheres na escalada para a liderança é exatamente esse: a priorização dos cuidados domésticos recai majoritariamente sobre a mulher e nas corporações muitas poucas flexibilizações ainda são feitas.
Nas semanas em que estava no campus para os módulos presenciais, tentei respirar aquela vida o quanto pude, me internei na biblioteca sempre que possível, passeava pelos corredores infinitos da escola de negócios, explorando as salas de estudo e laboratórios. Com culpa. Será que ‘os caras’ sentiam o mesmo?
E claro, esperando cruzar no corredor com Robert Engle (professor da NYU e prêmio Nobel de Economia 2003, pela criação de modelos de avaliação de riscos no mercado financeiro), ou com Nassim Taleb (que eu apresentei no meu último texto).
Não consegui estas duas proezas no meu ano como aluna. Mas me formei em Maio de 2019 e já em Outubro deste mesmo ano pude participar do Simpósio de Gerenciamento de Riscos, que a escola de negócios da NYU organiza anualmente.
Com o tema: Mudanças no Cenário de Riscos e Riscos Emergentes, e comemorando 10 anos do curso Master of Science in Risk Management, o simpósio deste ano teve uma lista de painelistas e palestrantes de peso, como os dois caras lá em cima citados e muitos outros. E desta vez eu consegui estar lá para participar e ouvir atentamente.
O mantra do Simpósio
Dos mais diversos temas discutidos do tão vasto universo do “gerenciamento de riscos” — desde o papel estabilizador dos bancos centrais, passando por segurança cibernética, inteligência artificial, a escalada das fintechs e um painel sobre risco climático — uma coisa foi repetida de maneira contínua durante todas as falas, quase como um mantra.
Diversidade.
Para lidar com risco de mercado, risco de liquidez, risco de ataques cibernéticos. Para entender a incerteza do mundo, para criar modelos mais assertivos de prevenção a riscos de crédito e operacionais. Para entender as mudanças climáticas e o comportamento das pessoas em relação a suas finanças. Para prever, ou saber que não se consegue prever, a próxima crise financeira.
E para lidar com a diversidade de riscos e minimizar os viéses que nos fazem cegos para muitos deles, temos de ter diversidade de modelos, processos e pessoas.
A gestão de riscos corporativos geralmente passa pelo ciclo infinito de quatro passos:
1. mapeamento e mensuração dos riscos (a probabilidade destes riscos ocorrerem versus o impacto que geram);
2. desenvolvimento de planos de ação;
3. ação propriamente dita, quando estes mesmos riscos se materializam;
4. e aprendizado com os erros, mudando os planos, se preparando melhor para a próxima vez.
Mas os riscos, nos templates usados pelo mundo a fora, tendem a ser sempre os mesmos. Em um cenário que nunca muda, este ciclo é perfeito.
No painel dos bancos centrais, por exemplo, os ex-presidentes dos Bancos Centrais da India e da Inglaterra mencionaram testes de stress, e como os mesmos podem não funcionar:
O problema é que nós não sabemos o que é o stress para fazer um modelo preditivo. O teste de stress só é útil até certo ponto
Mas o mundo muda sempre. Nestas mudanças, poderemos ter muita sorte, e muito azar. E segundo Taleb neste dia:
Nós subestimamos a casualidade
Diversidade para entender melhor o mundo — a provocação final
As mesmas mentes, que tiveram os mesmos estudos e foram expostas as mesmas experiências, definitivamente chegarão as mesmas conclusões. Não há inteligência, genialidade o suficiente para prever o próximo evento raro que pode mudar o mundo, se estamos sempre olhando pela mesma perspectiva.
A diversidade de times, a inclusão de pessoas de diversos meios de atuação e origens, é que poderão fornecer às empresas e também à academia, olhares do mesmo mundo por diferentes ângulos, e assim é que faremos o gerenciamento dos riscos nos próximos anos.
O mestrado executivo de gerenciamento de riscos da NYU teve sua primeira turma formada em 2009, embebida pelos impactos da crise financeira de 2007.
O curso foi criado pela insistência de um acadêmico (o professor Ingo Walter, que foi professor e diretor do curso por uma década) que dizia que o mercado financeiro estava, há bastante tempo, gerenciando seus riscos usando modelos insuficientes. Ninguém o ouviu até a crise chegar, os bancos quebrarem, e o mundo inteiro ser impactado. O curso foi instituído no mesmo ano, e há mais de dez anos forma profissionais, em turmas cada vez mais diversas. Na minha tivemos um recorde de latinos, e um recorde de mulheres. Mas apenas uma única professora.
Atualmente, homens brancos ocupam 62% de posições de C-level. Com a pandemia aumentamos o gap global de gênero, e nos levará mais de 135 anos para dar um fim a ele. Não dá tempo de esperar isso acontecer.
O importante é começar com os primeiros passos da liderança, encorajando e desenvolvendo a primeira liderança das mulheres, promovendo arranjos flexíveis de trabalho. Com cotas de participação feminina não só em números globais, mas em cada nível de liderança. Com cotas também para as promoções. Pode parecer óbvio, mas como corporações, e academia, continuamos a falhar.
Porque naquela palestra ouvi falar sobre diversidade de riscos, times e processos e eu, imediatamente, pensei nos gap em representatividade feminina, em paridade de gênero e progressão de carreira. Mas será que minhas celebridades acadêmicas pensaram nisso enquanto palestravam? Acho difícil. Dos 19 palestrantes, apenas 4 mulheres sentaram no palco naquele dia.